quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Argento sempre foi comparado com Hitchcock pela imprensa americana, inclusive sendo apelidado, por muito críticos, de "Hitchcock italiano". Era considerado um herdeiro do talento e do virtuosismo do cineasta inglês antes de surgir o americano Brian DePalma com seus tributos assumidamente hitchcockianos. Embora a comparação com a obra do velho Alfred não seja nada pejorativa, a verdade é que o trabalho de Dario Argento tem vida própria. Ele deu um novo verniz (e até certo "glamour") a um dos subgêneros italianos mais desgastados e populares, o "giallo", tipo de filme de suspense onde maníacos com traumas de infância, normalmente vestindo chapéu, casacão e luvas de couro, exterminavam belas garotas com facas brilhantes e pontiagudas. O apelido (giallo significa "amarelo", em italiano) evoca a cor da capa de antigos livros vagabundos com histórias de mistério e horror, lançados a preços populares nas bancas italianas.

O cineasta teve uma bem-sucedida incursão pelos gialli na sua chamada "Trilogia dos Animais" (graças ao nome de animais nos títulos): começou com O PÁSSARO DAS PLUMAS DE CRISTAL (1970), continuou com O GATO DAS NOVE CAUDAS (1971) e encerrou com QUATRO MOSCAS SOBRE VELUDO CINZA (também de 71). Concluída a trilogia, Argento achava que era hora de mudar de ares - principalmente devido ao fracasso comercial de QUATRO MOSCAS..., que até hoje não foi devidamente relançado pela sua distribuidora, a Universal. Inicialmente, ele tentou levar o giallo à TV italiana, através de um programa produzido por ele para a emissora RAI, intitulado LA PORTA SUI BUIO. Eram curtas histórias de mistério com menos de uma hora de duração, algumas dirigidas pelo próprio Argento, outras por cineastas italianos como Luigi Cozzi e Mario Foglietti. Encerrada esta experiência televisiva, Dario tentou mudar de gênero no cinema; mas a experiência fora da sua especialidade (suspense e violência) não foi boa. Filmado em 73, LE CINQUE GIORNATE enfrentou todo tipo de problemas, começando com desistência de atores e terminando com críticas demolidoras à produção - o próprio Argento faz coro e considera este o seu pior trabalho.
PRELÚDIO PARA MATAR surgiu em 1975 e foi inicialmente concebido como um quarto episódio com nome de animais no título, ampliando sua famosa trilogia para uma quadrilogia - o nome de trabalho era "O Tigre dos Dentes-de-Sabre". Depois, Argento preferiu desvincular PRELÚDIO PARA MATAR de seus primeiros trabalhos e fazer algo completamente diferente. Com a palavra, o próprio Dario (em frases retiradas da entrevista que circula no DVD lançado nos Estados Unidos pela Anchor Bay): "Quando eu fiz QUATRO MOSCAS NO VELUDO CINZA, comecei a pensar que se fosse dirigir um thriller novamente, faria ele diferente. Por isso PROFONDO ROSSO traz uma nova maneira de usar a câmera. Pode até parecer um filme bem mais sangrento e violento também, mas não é verdade. Ele foi feito como se fosse um pesadelo, por isso certas coisas são exageradas".

Em relação aos trabalhos anteriores, percebe-se claramente o progresso e a maturidade de Argento como cineasta e principalmente como contador de histórias. Embora eu seja um grande admirador da obra de Dario, PRELÚDIO PARA MATAR será, provavelmente para sempre, meu filme preferido do diretor. Pode até soar meio clichê, mas Argento, neste seu retorno apaixonado ao gênero que o celebrizou, parece um pintor concebendo uma tela cheia de detalhes. Em muitos momentos, as cenas lembram uma pintura - onde o vermelho profundo ("profondo rosso") se destaca em poças de sangue, cortinas, paredes... O próprio Argento considera PRELÚDIO PARA MATAR sua obra mais famosa e mais bem-sucedida.
Ele nasceu de uma bem-sucedida parceria de Dario com o roteirista Bernardino Zapponi, um contumaz colaborador de outro cineasta italiano que nada tem a ver com horror e violência: Federico Fellini. A única incursão de Zapponi no gênero fantástico foi a adaptação de um conto de Edgar Allan Poe que Fellini dirigiu na clássica antologia HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS (ironicamente, o próprio Argento também adaptaria um conto de Poe, "O Gato Preto", alguns anos depois, em DOIS OLHOS SATÂNICOS). Foi graças ao trabalho de Zapponi naquela adaptação de Edgar Allan Poe que Dario convidou-o para escreverem PRELÚDIO PARA MATAR em conjunto; inclusive Dario declara que, hoje, não sabe dizer quanto do roteiro é invenção dele e quanto foi criado por Zapponi, tal a integração entre as duas mentes criativas. Na entrevista que acompanha o DVD da Anchor Bay, Bernardino Zapponi tenta elucidar a dúvida: "Argento surgiu com a idéia de um congresso de parapsicologia, onde a médium sente a presença de um ser diabólico. A partir daí, começamos a escrever a história. Tem muitos elementos que remetem à infância, como a criança, o boneco, a cantiga infantil, a música do Goblin... E a idéia da morte no elevador surgiu aqui na minha casa. Eu lembro que Dario observava o velho elevador do prédio com muito interesse, fascinado pelos seus movimentos".

Texto originalmente publicado por Felipe M. Guerra no bocadoinferno



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